Entendo o que a neurosciência entende por inconsciente neste texto originalmente publicado pela Folha de São Paulo  e adaptando os estudos do matemático físico Leonard Mlodinow, professor no Instituto de Tecnologia da Califórnia e que é coautor de “Uma Nova História do Tempo”, escrito com Stephen Hawking, e autor de “Janela de Euclides” , de “O Andar do Bêbado” e de “Subliminar”.

O moderno conceito de inconsciente, baseado nesses estudos e medições, costuma ser chamado de “novo inconsciente”, para diferenciá-lo da ideia do inconsciente popularizado por um neurologista transformado em clínico chamado Sigmund Freud. Originalmente, Freud deu contribuições notáveis aos campos da neurologia, neuropatologia e anestesia.

Por exemplo, ele introduziu o uso de cloreto de ouro para tingir tecido nervoso, empregando essa técnica para estudar as interconexões neurais entre a medula oblonga, no talo cerebral, e o cerebelo.

Nesse aspecto, Freud estava bem adiante de seu tempo, pois levaria ainda muitas décadas até os cientistas entenderem a importância da conectividade cerebral e desenvolverem as ferramentas de que precisávamos para estudar o processo em algum nível de profundidade. Mas o próprio Freud não continuou sua pesquisa por muito tempo.

Preferiu se interessar pela prática clínica. No tratamento de seus pacientes, chegou à conclusão correta de que boa parte do comportamento deles era regida por processos mentais que não percebiam. Na falta de instrumentos técnicos com que explorar essa ideia de modo científico, ele simplesmente conversava com os pacientes, tentava extrair o que acontecia nas profundezas de sua mente, observava-os e fazia as inferências que considerava válidas. Porém, como veremos, esses métodos não são confiáveis, e há muitos processos inconscientes que não podem jamais ser revelados diretamente por esse tipo de autorreflexão estimulada pela terapia, pois ocorrem em áreas do cérebro não abertas à consciência. Por isso, Freud estava um pouco fora dos trilhos.

O comportamento humano é produto de um interminável fluxo de percepções, sentimentos e pensamentos, tanto no plano consciente quanto no inconsciente. A noção de que não estamos cientes da causa de boa parte do nosso comportamento pode ser difícil de aceitar. Embora Freud e seus seguidores acreditassem nisso, entre os psicólogos pesquisadores – os cientistas do ramo -, até há pouco, a ideia de que o inconsciente é importante para nosso comportamento era descartada como psicologia popular.

Como escreveu um pesquisador: “Muitos psicólogos relutavam em usar a palavra ‘inconsciente’ por medo de que seus colegas pensassem que eles estavam de miolo mole.” John Bargh, psicólogo de Yale, relata que quando começou a estudar na Universidade de Michigan, no final dos anos 1970, pressupunha-se quase universalmente que não apenas nossos julgamentos e percepções sociais eram conscientes e deliberados, mas também nosso comportamento.

Qualquer coisa que ameaçasse essa suposição era vista com escárnio, como quando Bargh contou a um parente próximo, profissional bem sucedido, sobre alguns dos primeiros estudos mostrando que as pessoas faziam coisas por motivos que desconheciam. Usando sua própria experiência como prova de que os estudos estavam errados, o parente de Bargh insistiu em que desconhecia qualquer instância na qual fizesse alguma coisa por motivos que desconhecesse. Diz Bargh:

Todos nós prezamos muito a ideia de que somos o governante da nossa alma, que estamos no comando, e é um sentimento assustador pensar que não estamos. Na verdade, isso é a psicose: a sensação de afastamento da realidade, de não estar no controle; e é um sentimento assustador para qualquer um.

Ainda que a ciência psicológica tenha agora reconhecido a importância do inconsciente, as forças internas do novo inconsciente têm pouco a ver com as motivações inatas descritas por Freud, como o desejo dos garotos de matar o pai para se casar com a mãe, ou a inveja das mulheres do órgão sexual masculino. Decerto devemos dar crédito a Freud por ter compreendido o imenso poder do inconsciente – foi uma grande descoberta -, mas precisamos também reconhecer que a ciência lançou sérias dúvidas quanto à existência de muitos dos fatores inconscientes específicos, emocionais e motivacionais, que Freud identificou como agentes formadores do inconsciente. Como escreveu o psicólogo social Daniel Gilbert, “o sabor sobrenatural do Unbewusst [inconsciente] de Freud tornava o conceito não palatável, de modo geral”.

O inconsciente divisado por Freud, nas palavras de um grupo de neurocientistas, era “quente e úmido; fervilhava de ira e luxúria; era alucinatório, primitivo e irracional”, enquanto o novo inconsciente é “mais delicado e gentil que isso, e está mais ligado à realidade”. Nessa nova visão, os processos mentais são considerados inconscientes porque há parcelas da mente inacessíveis ao consciente por causa da arquitetura do cérebro, não por estarem sujeitas a formas motivacionais, como a repressão. A inacessibilidade do novo inconsciente não é vista como um mecanismo de defesa ou como algo não saudável. É considerada normal.

Se às vezes um fenômeno que eu apresentar parecer vagamente freudiano, a compreensão moderna e as causas desse fenômeno não o serão. O novo inconsciente tem um papel muito mais importante do que nos proteger de desejos sexuais impróprios (por nossas mães ou pais) ou de memórias dolorosas. Trata-se de um legado da evolução crucial para nossa sobrevivência como espécie. O pensamento consciente é de grande valia para projetar um automóvel ou decifrar as leis matemáticas na natureza, mas só a velocidade e a eficiência do inconsciente podem nos salvar na hora de evitar picadas de cobra, carros que entram no nosso caminho ou pessoas que nos fazem mal. Como veremos, para garantir nosso perfeito funcionamento, tanto no mundo físico quanto no social, a natureza determinou que muitos processos de percepção, memória, atenção, aprendizado e julgamento fossem delegados a estruturas cerebrais separadas da percepção consciente.